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sexta-feira, 27 de maio de 2011

O morto

Um dia Pablo Neruda escreveu uma história mais ou menos assim:
"Era uma vez uma aldeia de pescadores onde tudo era igual, nada de novo acontecia. Todos os dias os homens saiam para pescar em alto mar. As mulheres ficavam em casa para limpar, cozinhar, lavar. Às crianças passavam o dia a brincando nas areias, a tomar banho no mar e no riacho um pouco para dentro da mata. Tudo era o mesmo há muito tempo.
Um dia um dos meninos avistou algo no mar muito diferente e pôs-se a gritar para todos os outros meninos que começaram a gritar pelas mães e em pouco tempo todas as mulheres e os mais velhos da aldeia estavam na beira do mar tentando descobrir o que era aquilo que boiava nas águas azuis. Um dos mais velhos, que ainda tinha força, jogou-se no mar para chegar mais perto da coisa. Nadou até bem perto e viu que era o corpo de um homem. Ainda estava inteiro, só tinha algumas algas presas nos cabelos, no pescoço, nos pés. Trajava uma calça e uma blusa. Com toda a força que lhe era possível, o velho pescador foi nadando para a praia trazendo aquele corpo. A praia estava em silenciosa expectativa.
O velho arrastou corpo até a areia seca e todos se aproximaram e ficaram a olhar para o corpo. Era um corpo de um homem grande, cabelos compridos bem negros. Não havia nele nenhum sinal de decomposição. Parecia que tinha morrido a pouco tempo. Mas ninguém o conhecia. Podia ser algum pescador de outra aldeia. Ou quem sabe um turista que caiu de um barco ou algum naufrago. Todos olhavam e se perguntavam de onde tinha vindo e porque tinha se afogado, se é que morrera na água.
Horas depois os pescadores chegaram e o corpo estava 1á esperando o que iriam decidir fazer com ele. Depois de um rápida e simples reunião onde só os homens falaram decidiram que iriam dar para ele um enterro descente^ Levaram-no para dentro de uma das casas e deixaram aos cuidados das mulheres que eram sempre encarregadas de preparar os corpos dos que morriam. E assim se fez. E lá estava ele, deitado sobre duas mesas, nu, enquanto as mulheres limpavam seus cabelos e sua pele para dar-lhe uma melhor aparência. Os homens ficaram Ia fora esperando.
De repente uma delas acariciando a mão do morto, perguntou para as outras:
_ Quantas mulheres será que estas mãos acariciaram e deram prazer?
As outras riram.
Uma outra tocou os seus lábios:
_ E esses lábios? Quantas bocas ele beijou? Será que beijava bem?
Mais risos.

Os maridos lá fora começaram a ficar inquietos com os risos das mulheres e aos poucos começaram a ficar com ciúmes do morto.

Lá dentro as fantasias continuavam:

_ Ele é bonito! É um "homão"! Ele devia deixar uma mulher doidinha de prazer!

Mais risos. E todas elas começaram a sentir um fogo reacender em seu íntimo. Um fogo que a muito tempo estava apagado. As respirações ficaram ofegantes. E não tinham mais vontade de acabar com aquela preparação. Mas terminaram. Trouxeram roupas limpas. Vestiram, o homem. Naquela noite mesmo aconteceu o velório. E no outro dia de manhã sepultaram o morto perto dos coqueirais.
Mas a velha aldeia de pescadores nunca mais foi a mesma.

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