Pesquisar este blog

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Misericórdia: logomarca do cristão


“Deus criou o mundo, misturando-o com a justiça. A terra não ficava firme, continuava a cair. Decidiu então mesclá-lo com a misericórdia: e o mundo ficou de pé” (Livro: Palavras de Misericórdia).
A misericórdia divina é a força que mantém em pé o mundo de hoje, que parece estar sempre prestes a cair (Dives in Misericórdia, João Paulo II).

1. O PRINCÍPIO MISERICÓRDIA
A misericórdia é o princípio fundamental da atuação de Deus e de Jesus, e deve ser também de todo o cristão.

1.1 “No princípio estava à misericórdia”.
O Antigo Testamento traça o perfil de Deus. Ele se revela, pela Sua misericórdia, como o amor e a absoluta perfeição.
Deus revela sua perfeição divina, agindo com misericórdia em relação ao ser humano... “porque [...] faz surgir seu sol sobre os malvados e sobre os bons e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45).
Na origem do processo salvífico está presente a ação amorosa de Deus: “Vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi suas queixas contra os opressores, conheço seus sofrimentos, por isso desci para libertá-lo” (Ex 3,7s).
Deus escuta os clamores de um povo sofredor e por isso decide empreender a ação libertadora.
A misericórdia se mantém constante em todo o processo salvífico de Deus.
A esta ação do amor assim estruturada é chamada “misericórdia”.
Misericórdia é uma ação ou uma re-ação, diante do sofrimento alheio interiorizado, que chegou até as entranhas e ao próprio coração.
O sofrimento alheio interiorizado é, portanto, o princípio da reação misericordiosa; mas, por sua vez, a misericórdia se transforma em princípio configurador de toda a ação de Deus.
Pela misericórdia e pelas sucessivas ações de misericórdia, o próprio Deus se revela.
A exigência fundamental para o ser humano e, especificamente para o povo de Deus é que refaçam essa Sua misericórdia para com os outros e, desse modo, se façam semelhantes a Deus.

1.2 – A misericórdia segundo Jesus.
Tudo atinge sua perfeição na revelação da misericórdia divina em Jesus Cristo. A expressão mais alta da misericórdia divina é que Ele não só se debruça sobre nós, da altura do céu de sua santidade, mas participa de nossa miséria. “... devia em tudo se tornar semelhante aos irmãos, para ser sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas que dizem respeito a Deus, para assim expiar os pecados do povo” (Hb 2,11-17).
A misericórdia de Deus é revelada na prática e na mensagem de Jesus. A misericórdia não é só uma atitude de Jesus, mas é o que está em sua origem e o que configura toda a Sua vida, Sua missão e Seu destino.
É também o que configura Sua visão de Deus e do ser humano.
Quando Jesus quer mostrar o que é um ser humano integral, conta a parábola do Bom Samaritano. Esse ser humano pleno é aquele que viu um ferido no caminho, re-agiu e o ajudou de toda maneira que pôde. Ele agiu “movido por misericórdia”.
Ser um ser humano é, para Jesus, reagir com misericórdia; do contrário, fica viciada na raiz a essência do humano, como aconteceu com o sacerdote e o levita, que “passaram adiante”.
Essa misericórdia é também a realidade com a qual nos evangelhos se define a Jesus, o qual freqüentemente faz curas e age porque sente compaixão pelas pessoas.
Com essa misericórdia também se descreve o Pai na parábola do Filho pródigo. “Quando vê – movido por misericórdia – reage, o abraça e organiza uma festa”. Não permite que confesse seus pecados. Age simplesmente “movido por misericórdia”. Essa é uma atitude fundamental perante o sofrimento alheio.
Se com a misericórdia são descritos o ser humano, Jesus e Deus, sem dúvida estamos diante de algo realmente fundamental. Segundo Jesus, sem ela não há humanidade e nem divindade. Para Ele, a misericórdia está na origem do divino e do humano.
Por ser misericordioso Jesus antepõe a cura do homem da mão seca à observância da lei do sábado. Enquanto que os fariseus e os herodianos tiveram atitudes de antimisericórdia, descritos como “duros de coração” (Mc 3,5) e atuando contra Jesus: “Ao se retirarem, os fariseus e os herodianos imediatamente conspiraram contra ele sobre como o destruiriam” (Mc 3,6).
Jesus morreu condenado por exercitar a misericórdia de modo conseqüente e até o final.
Quem vive o “princípio da misericórdia” realiza o mais profundo do ser humano, torna-se semelhante a Jesus e ao Pai.
A felicidade que Jesus oferece consiste nisto: “Felizes, benditos sois vós que exerceis a misericórdia, que tendes olhos limpos, que trabalhais pela paz, que tendes fome e sede de justiça, que sois perseguidos por causa dela, que sois pobres...”
Para conhecer a misericórdia de Deus é preciso considerar a vida de Seu Filho, colocar-se sempre à Sua escuta, intuir Seus sentimentos interiores.
Jesus é revelação de Deus.
Tudo é divino em Jesus, tudo nele diz Deus, até mesmo na impotência do recém-nascido e do agonizante. Mais nos faz penetrar profundamente o mistério de Deus.
Jesus doa a seus amigos e discípulos a misericórdia, dá-lhes realizar “o bem para com todos” (Gl 6,10), de não se deixar vencer pelo mal, mas de “vencer o mal com o bem” (Rm 12,21), de amar os próprios inimigos e perseguidores (Mt 5,44).

2. BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS

“Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
Deus se revela santo e perfeito, ao fazer misericórdia.
O cristão deve, necessariamente, se expressar através da misericórdia para com todos e mais particularmente para com os pobres, os oprimidos.
Quem não é misericordioso não se abriu ainda à misericórdia do Senhor.
Não expressa reconhecimento algum pela misericórdia que lhe é ofertado.
Não pode nem mesmo obtê-la mais abundantemente, se não crescer numa misericórdia ativa.
A misericórdia deve ser humilde. Manifestar com vanglória a própria misericórdia é uma ofensa e humilhação ao próximo.
A misericórdia é e torna-se sempre mais humilde quando tomamos consciência de vivemos da misericórdia de Deus, e não podemos ser misericordiosos senão porque se usou de misericórdia para conosco.
A misericórdia é uma virtude muito pessoal que estimula a pessoa em todas suas capacidades.
Estimula também cada comunidade, cada povo, toda a família humana.

3. O CLIMA DA MISERICÓRIA
A misericórdia de Deus em Cristo é mais do que a absolvição legal do pecado.
O cristão é chamado a se tornar um homem novo e a participar de uma nova criação que é obra da misericórdia e não do poder.
A misericórdia não é, pois somente perdão, mas vida.
Todo o clima do Novo Testamento é um clima de libertação por meio da misericórdia: libertação do pecado, da morte e também da antiga Lei, pelo dom livre e gratuito de Deus.
O poder de perdoar é associado ao de curar e de fazer ressuscitar (Mc 2,5-12).
O clima do Evangelho é, ao mesmo tempo, de misericórdia e de vida, de perdão e de criação.
Nós penetramos nesse clima e respiramos seu ar puro por meio da fé, que é submissão à “nova Lei” da graça e do perdão,
Isto é, submissão a uma lei que ordena aceitar e ser aceito, amar e ser amado, num encontro pessoal com o Senhor da vida e com nosso irmão n’Ele.
Nunca poderemos entender o mistério da misericórdia se formos tomados pela obsessão em descobrir quem é o credor e quem o devedor.
A atmosfera da misericórdia tornar-se-á vivificante e criativa quando as pessoas compreenderem que são todas devedoras e que seu débito não é passível de pagamento (Sto Anselmo).
É na cruz que todos os débitos foram pagos.
A misericórdia cura em todos os sentidos.
Cura os corpos, os espíritos, a sociedade, a história.
É a única força que pode de fato nos curar e salvar.
É a força que foi entregue ao mundo no grande evento da cruz.
A misericórdia cuida da vida na raiz, curando nossa existência do estrago de uma desesperança que nos devora e que projeta seu mal sobre os outros como uma exigência e uma acusação.
Quando o dom de Deus nos faz capazes de nos tornarmos misericordiosos, recebemos o poder de compreender com misericórdia, de aceitar e perdoar os males dos outros.
Esse é o clima escatológico da nova criação em que o perdão substitui o sacrifício (Os 6,6; Mt 9,13) e em que todo o universo é recoberto da misericórdia de Deus, como as águas recobrem toda a extensão do mar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário